segunda-feira, 19 de setembro de 2011

no ordinary day




ontem o dia foi longo: daqui a Budapeste, e de Budapeste aqui. É um daqueles que custa a passar... E aparentemente normal, como todos os outros. Deixou de ser no momento em que um passageiro se apagou, literalmente, aos meus braços. Ao aproximar-se, quase sem cor, para me pedir uma água, percebi de imediato que algo não estava bem. Não tive tempo de perguntar uma segunda vez, e o senhor, caí na minha direcção. Valeu-me um outro passageiro, que minutos antes tinha ficado à conversa comigo na Galley de trás. Em momentos em que o português não existe, e o inglês é muito ruím, a comunicação deixa de ser uma grande bengala para passar a ser o maior estorvo. Pedi ajuda, pedi a presença de um médico se possível, fiz o que me compete nesta situação: ser um bocadinho mais do que "hospedeira". Digo isto porque às vezes sou psicóloga, outras saco de pancada, outras bombeira, ou neste caso, socorrista ou paramédica. São estas alturas que fazem cento e muitas pessoas ver a coisa de maneira diferente. Na aflição, alguém tem que fazer alguma coisa além de aglomerar num mesmo sitio, por si já demasiado pequeno, e sufocar o senhor. Lá descobri um terapeuta de Reiki, que tentou a sua sorte, enquanto eu já corria de garrafa de oxigénio em punho. Cocktail maravilha. A cor voltou, os olhos abriram, e a situação acalmou.. Por esta altura era a esposa que estava pior que o passageiro em causa.



São picos. Alturas em que é preciso pensar, actuar, e acima de tudo, ter a destreza e sangue frio para fazer aquilo para o qual somos [arduamente] treinados. E passamos a ser vistos como algo mais do que bagageiros [que não somos] ou dadores de bandejas. Porque azares acontecem [e já aconteceram, efectivamente]: embolias, ataques cardíacos fulminantes, picos de glicémia, doença súbita, tudo o que mata pessoas dentro de um avião. E não se enganem, mata mesmo. Porque este passageiro saíu pelo próprio pé e grato, mas outros houve que já saíram num saco. E é para [fazer todo o possível por] evitar desfechos destes, que nós, assistentes e comissários de bordo estamos por lá. Mais do que servir chá ou café, mais do que ouvir que a comida no "nosso restaurante" [há quem insista em ver a aviação assim: pela gastronomia] é muito má, mínima, intragável, é pela segurança que somos tripulantes, e é também por ela que somos preparados, puxados e treinados até aos limites físicos, conduzidos ao limiar do ataque de nervos, porque existe um sem fim de situações que nos podem fazer desistir, e isso não é opção. Dias normais são todos, estes são só mais animados, na medida em que o show atraí mais e melhores espectadores, que podem, além de olhar, ver.



Ju*

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